No Dia Internacional da Educação, o Rio 360º Notícias conversa com Rose Cipriano, moradora de Duque de Caxias e professora de educação inclusiva da rede municipal. Atualmente, faz parte da direção do SEPE, é conselheira do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher e do Fórum Municipal dos direitos da Mulher e ativista do Movimento Negro, e está suplente na ALERJ pelo PSOL junto com a Coletiva Periférica, uma candidatura coletiva formada por pessoas da Baixada. Ela nos conta um pouco sobre os desafios e conquistas da educação brasileira.
Rio 360º – A educação é o pilar fundamental para o desenvolvimento social e econômico de qualquer nação. No Dia Internacional da Educação, também é preciso lembrar da sua desigualdade em todo o mundo. Para você, a Educação ainda é vista como gasto e não investimento?
Rose Cipriano – Sim. A educação tem sido vista como um gasto e isto a gente observa a partir das próprias legislações e os seus não cumprimentos. A gente tem as leis federais que definem o mínimo de 25% de investimentos na educação e, muitas vezes, os municípios desrespeitam esse percentual. A gente observa quando há cortes no orçamento. Esses cortes são feitos em setores da educação e saúde e, hoje, esse é um debate muito sério: o financiamento da educação, onde a gente tem discutido e lutado para que verbas, como o Fundef, permaneçam como políticas de valorização e para que o percentual mínimo da Constituição não seja revogado, mas, infelizmente, o que a gente observa é que, cada vez mais, as cidades, governos estaduais e municipais, acabam investindo muito pouco na educação.
Rio 360º – Há muitos desafios na educação, mas o ato de educar é transformador e incentiva muitas pessoas. O que lhe motivou a se tornar professora?
Rose Cipriano – Poucas pessoas sabem, mas a minha primeira experiência na educação começou em casa. A minha irmã foi a primeira pessoa a chegar à universidade. Ela é pedagoga e já trabalhava em casa, naquelas escolas explicadoras de bairro. Então, com 14 anos, eu já comecei a lidar com o processo do que é ensinar, lidar com crianças, principalmente, com crianças especiais porque, neste processo de explicação, quem vão parar nestas explicadoras, muitas vezes, são crianças com deficiências. Então, eu comecei muito cedo a ter contato com pessoas com necessidades especiais e, daí, veio o meu primeiro interesse em me formar professora. Fiz a minha formação em matemática e eu tive muita clareza de que eu queria, que era trabalhar com educação especial. Aí realmente, na prática confirmei todo esse amor, essa paixão e esse entusiasmo com a educação, porque a educação é essa possibilidade de transformação, de aprendizagem, de convivência e de formação humana. Então, na prática, no dia a dia, eu confirmei todas essas motivações que me fizeram chegar à educação.
Rio 360º – Estar na sala de aula é desafiador. Muitos pais ainda confundem o papel do professor na vida dos seus filhos, atribuindo ao profissional o que deveria ser de sua responsabilidade. Isto pode prejudicar o processo educativo da criança?
Rose Cipriano – Acho que tem duas coisas: primeiro, porque nós somos uma categoria majoritariamente de mulheres e, muitas vezes, a educação é vista apenas como cuidado. Segundo é que muitas famílias precisam trabalhar efetivamente para dar conta da subsistência dos seus filhos e há uma ausência na realidade. Às vezes, as famílias acabam transferindo o que seria uma educação mais formal, o que seria trabalhar com os conhecimentos que historicamente foram construídos, com o princípio básico da educação, que é mais voltada à família. É como a própria constituição diz: a responsabilidade da educação é da família e do Estado e, na ausência dessas famílias, a gente acaba observando que há uma sobrecarga na escola com as professoras e professores. Outro elemento que, na pandemia, me chamou muito a atenção nessa coisa de achar que a escola e os professores apenas cuidam, foi o processo das famílias perceberem que tem toda uma pedagogia, um estudo, uma metodologia para que a gente trabalhe com educação das nossas crianças. Na pandemia, muitas pessoas tiveram que ficar em casa e aprender on-line. Foi um aprendizado para todo mundo, mas, principalmente, para as famílias compreenderem que a escola vai além do cuidado.
Rio 360º – Como você incorpora os pais na educação de seus alunos?
Rose Cipriano – Eu vivo uma realidade que não é a realidade de todas as escolas. Eu trabalho numa escola em que a gestão democrática é um dos princípios que a gente tenta efetivar todos os dias e, nessa ideia, a participação das mães, dos pais e responsáveis é fundamental. Então, para além de a gente propor reuniões periódicas, a gente atua, por exemplo, na “visita à comunidade” todo início do ano porque isso possibilita conhecer as famílias e a comunidade onde os alunos estão inseridos. Esse processo de você ter um diálogo aberto é garantir a participação dos responsáveis, seja com uma agenda de reuniões específicas, no momento em que aquele pai precisa. Como eu trabalho em dois turnos, já vivi situações de atender pais à noite. É óbvio que cada professor pode dar mais abertura para a família, mas se isso não for um projeto de escola, de políticas para a educação, isso fica sendo isolado como uma ação de um único professor. Eu tenho essa prática até porque atuo com educação especial. É impossível realizar o trabalho sem a participação da família. Então, a gente tem uma dinâmica própria, que é de entrevistas com as famílias e de conhecer a criança, mas, para que esta relação se torne uma via de mão dupla, é preciso que seja um projeto mais amplo de escola.
Rio 360º – O Governo Federal tem investido em diversas ações para a educação tanto para os profissionais quanto para os alunos. Como você avalia este processo?
Rose Cipriano – Há poucos dias, o Governo Federal lançou o Programa Mais Professores. Acho que, nesse sentido, todo programa de políticas públicas precisa pensar em, pelo menos, dois momentos: uma política inicial de trabalho, de valorização dos professores e, num segundo momento, uma política de formação de valorização continuada. É muito importante que os estudantes tenham incentivos para estarem nas universidades e permanecerem nelas. Só que nos pós, quando ele entra no mercado de trabalho, na iniciativa privada ou no serviço público, o que a gente encontra é uma desvalorização dos profissionais. Eu digo isso muito dentro de um processo, por exemplo, estou na Baixada Fluminense e vários municípios fecharam o ano sem o pagamento do 13º para os seus professores. A gente tá falando de municípios que ainda não têm o seu Plano de Carreira, que não respeitam o piso nacional do magistério. Então, ao mesmo tempo que o governo precisa pensar essa formação inicial, precisa da formação de valorização continuada para que se torne uma política efetiva. A avaliação que faço desse processo é: você incentiva e aumenta o ingresso nas licenciaturas, só que na outra ponta, você vai continuar com professores abandonando o magistério porque senão tem a valorização no cotidiano, esse profissional não vai continuar.
Rio 360º- Quais são as oportunidades e riscos de uma educação cada vez mais mediada pela tecnologia?
Rose Cipriano – Se a gente for olhar a realidade tanto do estado quanto do país, muitas escolas ainda estão com quadros de giz, muitas sem xerox e o que dirá computadores e televisões. Chegamos no século XXI. Eu não sou daquela que acredita que a figura do professor vai acabar. Não, acho que a gente precisa mediar esta tecnologia com o processo que a gente acredita que é uma educação humanizada e que ainda atue no desenvolvimento humano. A gente sabe que o computador é fundamental, mas não pode ser o único instrumento a ser utilizado, até porque a gente sabe dos danos que a tecnologia pode causar na interação social dos alunos. Então, a educação não tem que negar o processo tecnológico porque é impossível, mas precisa garantir que esta tecnologia chegue às escolas, pois não é a realidade na maioria delas e, assim, ter um projeto que tenha um espaço determinado para o uso da tecnologia a fim de ampliar o conhecimento e desenvolvimento dos nossos alunos.
Rio 360º – Escolas modernas, uniformes, materiais didáticos, merenda, acessibilidade. Qual a importância do bem-estar para a aprendizagem?
Rose Cipriano – É o que a gente fala de condições de ensino e aprendizagem. Vou falar agora o que a gente tá vivendo, o auge dessa crise climática, com temperaturas altíssimas. Como pode tanto o professor quanto os estudantes se concentrarem numa sala que está 40ºC e a sensação térmica de 50ºC? Estou pegando este elemento porque não dá para a gente pensar, num estado como o Rio de Janeiro, que as escolas não estejam climatizadas. Falo também de quadras cobertas para educação física, das condições dos materiais, do uniforme, da alimentação escolar. A gente vivenciou a pandemia e viu que, muitas famílias, não tinham o que comer quando as escolas fecharam. Então, a gente não tem dúvidas de que a garantia de uma estrutura mínima para as escolas e estudantes é fundamental para a aprendizagem. É lógico que alguém vai dizer: “no interior do nordeste, eu venci”, mas são casos isolados. Se a gente está falando de políticas públicas, de condições de ensino-aprendizagem, a gente precisa entender que as estruturas das escolas precisam ser levadas a sério. A gente que acredita no processo de inclusão, sabe o quanto é importante ter uma estrutura adequada.
Rio 360º – Deixe uma mensagem sobre o Dia Internacional da Educação.
Rose Cipriano – No Dia Internacional da Educação, a minha mensagem vai para todos os professores e professoras que acreditam no processo humanizador e revolucionário que a educação tem. A gente que trabalha com educação, já presenciou muitas vezes como estar na escola pode sim salvar a vida de muitos estudantes e garantir a esse estudante que tenha um futuro. Quando coloco isso não é de maneira piegas ou achando que magistério é somente amor, mas ele também é amor. Ele também é a crença de que pode construir um futuro diferente e que a educação pode contribuir com tudo isso, não sozinha, mas ela tem um papel fundamental. Então, no dia de hoje, o meu abraço, os meus parabéns vão para todos e todas que não desistiram de estar nas salas de aulas, nas escolas, e de defenderem que a gente tenha uma educação pública, laica, inclusiva, ética e de qualidade.