Consciência Negra: há motivos para celebrar?

O Rio 360 Notícias conversa com o ativista e influencer preto, João Marcos Bigon

Mestre em Relações Étnico Raciais, João também é historiador, escritor e produtor de conteúdo digital. Autor do livro “Entre a cruz e a encruzilhada”, publicado pela editora Recriar, João viaja o Brasil para promover palestras sobre a temática preta. O principal objetivo do influencer, de 31 anos, é combater a desinformação, incentivando o seu público a ser antirracista no dia a dia.

Rio 360 – O seu posicionamento e trabalhos permeiam a pauta preta e combatem o racismo estrutural. Diante de mais um dia celebrativo da Consciência Negra, na sua opinião, há o que comemorar? Em que pé está o movimento antirracista no país?

João Marcos – Não há muito o que comemorar. Há muitas involuções do que evoluções na pauta. Não sou muito de celebrar a data. Para mim, o motivo de comemoração é o fato de nós, pretos, ainda estarmos vivos, estarmos aqui, conquistando tudo que temos para conquistar. Ainda há muito a ser feito e o movimento antirracista neste país, ao meu ver, ainda engatinha. Ainda existem pessoas que acreditam que não existe racismo no Brasil. Ainda temos muito para caminhar.

Rio 360 – Falar de ancestralidade ainda é muito complicado no Brasil. Religiões de matrizes africanas ainda são perseguidas, desrespeitadas e discriminadas. Você foi criado dentro do contexto cristão protestante, mas não se opõe a mergulhar no universo de matriz africana. Na sua opinião, qual é o melhor caminho para se combater a intolerância religiosa? 

João Marcos – Na minha opinião o melhor caminho para combatermos a intolerância religiosa é discutir a cidadania. Esta é a minha defesa desde a época que comecei a apoiar o movimento de combate à intolerância religiosa. As pessoas precisam compreender na escola, em casa, que o direito de ter religião ou não ter religião é constitucional. Ao meu ver, este combate deveria ser prioritário, sobretudo com crianças e adolescentes. As pessoas não podem discriminar as outras pela fé. Isso é inadmissível. O melhor caminho é fazer um debate não sobre doutrina, mas sobre o direito constitucional de cada pessoa de exercer a sua fé.

Rio 360 – Discutir a cidadania é falar de educação. A prova do Enem 2024 apresentou como tema da redação “os desafios para a valorização da herança africana no Brasil”. Como você analisa esta abordagem?

João Marcos – Acho importante, mas curioso. É importante demarcar isso… eu passei o ano inteiro defendendo a necessidade da aplicação das Leis 10639/2003 e 11645/2008 nas escolas e ver o Enem dando a oportunidade para discutir isso na redação, fazendo com que os alunos entendam a importância da pauta, é fundamental. Também acho curioso, pois o que me preocupa é: a banca, quem corrige o exame, é suficientemente capaz, letrada dentro da temática para corrigir essa redação? Acho que é essa pergunta que fica.

Rio 360 – A inclusão de disciplinas eletivas que abordem a temática preta nas escolas tem sido muito defendida pelos ativistas e influenciadores pretos. Como você vê isto?

João Marcos – Acho que não deveriam ser disciplinas eletivas, mas sim obrigatórias. O país mais negro, fora da África, não pode considerar que aprender sobre a história da cultura negra e a história da África nas escolas seja uma questão de disciplina eletiva, uma questão paralela ou de menor importância do que aprender Português e Matemática. Essa é a minha visão também enquanto professor. Sendo essas disciplinas inclusivas obrigatórias, todos iriam aprender, incluindo as pessoas que não se interessam pelos assuntos, já que o grande desafio do país é convencer que o racista é racista e precisa mudar.

Rio 360 – Você viaja o Brasil para palestrar sobre a temática preta. Para você, esta também é uma forma de promover a “Consciência Negra”? No âmbito geral, qual o retorno que você mais recebe do público?

João Marcos – É sim uma forma de promover a Consciência Negra. Eu viajo o país, debatendo questões raciais, sobretudo no âmbito da educação. O retorno que mais recebo é a gratidão das pessoas negras, pela sensação de pertencimento e inclusão, e as pessoas que não são negras que acabam percebendo a importância de saber muito mais sobre a pauta preta.

Rio 360 – O protagonismo preto em produções audiovisuais cresceu. Atores, atrizes e outros artistas estão ganhando mais espaços. Para você, o mercado está adquirindo “consciência’ ou isto é apenas um reflexo da cultura “politicamente correta” assumida por muitas empresas?

João Marcos – Eu acredito que seja um reflexo da cultura “politicamente correta” nas empresas, mais do que um ato de consciência. Para mim, uma coisa influi na outra. Muitas pessoas estão ganhando essa consciência de representatividade no cenário audiovisual, mais a matriz disso não provém de uma consciência antirracista. Há um interesse, inclusive econômico, que faz com que o mercado invista nessa tendência e formalize essa “obrigatoriedade” da inclusão. Não podemos ser ingênuos em acreditar que a iniciativa é em prol do fim da discriminação.

Rio 360 – Para você, qual é a melhor forma de celebrar, refletir e viver o dia de hoje, da Consciência Negra?

Existem várias formas de viver o dia da Consciência Negra. Podemos começar pela gratidão por estarmos vivo e por termos chegado onde chegamos. Ser grato também aos nossos ancestrais por tudo que foi feito, vivido e proporcionado por eles, com muita luta, muita dureza, muito sangue. É preciso refletir sobre o tema, mantendo-se firme no pensamento de que as coisas precisam mudar, e mudar muito. A luta continua e não tem prazo para terminar.

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